Todos
temos lembranças de dias maravilhosos, marcantes, de sol perfeito,
temperatura ajeitada por Deus pra nos deixar felizes, mas
também tem aqueles dias em que esse sol estampado no céu não nos
atinge, não nos aquece e não consegue fazer a mágica da felicidade
acontecer.
Tenho
guardado aqui no cabeção os três dias mais tristes dessa minha
jornada incrível de 32 primaveras.
No primeiro deles eu ainda estava no começo da adolescência, estudava
no Rosolia. A professora nos orientou a formar grupos para a
apresentação de trabalho e a nomeá-los como bem quiséssemos.
Alguns escolheram rapidamente e outros grupos, como o meu, ficaram
pensando demais. Eis que uma garota de outro grupo resolve meter o
bedê na escolha do meu grupo e com a maior infelicidade desta
galáxia DETERMINA: “Ah! Coloca o nome do grupo de Rainha do
Egito!”. Todas as meninas do grupo em que eu estava demonstraram o
descontentamento com a intromissão da senhorita A. Magalhães (desta
desgraçada eu não esquecerei o nome jamais), já eu nunca senti
tamanho constrangimento em toda minha vida (32 primaveras). E a
professora, hein??? Infelizmente não me recordo do rosto e nem do
nome desta criatura imbecil pra socar na boca do sapo, só sei que a
professora acatou a sugestão da garota e contribuiu para o meu
primeiro dia mais triste. Lembro-me como se fosse hoje, naquele final de tarde resolvi nunca mais ir à escola e chorei o resto do dia.
O
segundo dia mais triste me ocorreu com a notícia de que meu
vovozinho Manoel estava muito doente, ele já era quase centenário.
Seu Manezinho, como era conhecido, era um vovozinho bem caricato de
interior, cabelos brancos, pele morena enrugadinha, caminhava
lentamente pezinho atrás de pezinho e sorria com os olhos. A casa
dele tinha um cheiro gostoso de fumo (me chame de louca, vai, eu
deixo!!), ele costumava comprar fumo desfiado, palha para cigarro e
com as mãos firmes confeccionava o próprio cigarro. Sua casa tinha
poucos móveis e utensílios, apenas o necessário para um senhor
interiorano idoso, tudo era limpo e arrumadinho. A essa altura de sua
vida a capacidade de resiliência do corpo já não é a mesma e ele
já convivia com um câncer que a idade não lhe permitia fazer
qualquer intervenção sem antecipar o inevitável. Vi o meu
vovozinho poucas vezes na vida, 500 km nos separavam. Quando criança
as férias dos meus pais nunca coincidiam para que a família pudesse
viajar junta, éramos três crianças pequenas e meu irmão mais
velho. Viajar com uma moçada assim exige planejamento, grana e
cuidados com a alimentação, estadia e a vestimenta. Quando me
tornei adulta já não dependia dos meus pais e passei a vê-lo com
mais frequência, rolaram uns bate-e-volta, nas minhas férias eu
conseguia viajar com meu pai e até mesmo com minhas irmãs. Eu tinha
quase trinta anos quando voltei do trabalho e minha mãe com todo o
cuidado do mundo me disse que meu vovozinho estava internado, quase
morrendo. Chorei até dormir, acordei com os olhos inchados e não
conseguia falar sobre o assunto sem chorar copiosamente.
Providencialmente, um feriado prolongado se aproximou, e então eu e
minhas irmãs fomos ao interior para vê-lo, meu pai já se
encontrava lá há muitos dias. Ao deixarmos a casa do meu vovozinho
para voltar a São Paulo me lembro de rezar com toda a fé do mundo
para que o Senhor fosse misericordioso e não permitisse que ele
sofresse. Eu estava crente de que seria a última vez que o veria
vivo. Este foi o segundo dia mais triste da minha vida. Meu avô
viveu mais alguns anos, eu o visitei mais algumas vezes e em
agosto/2012 o Senhor o recolheu para um merecido descanso.
O
terceiro dia mais triste foi quando com muita dor no coração decidi
dar ao meu cachorro a oportunidade de viver em um grande quintal com
um amiguinho peludo. Eu o doaria para uma amiga que procurava um cão
grande para fazer companhia para seu cachorro, pois eu estava para me
mudar para minha própria casa, onde não permitiam cachorros de
grande porte (esses condomínios novos tem um regulamente interno com
algumas regras que não entendo. Tem pessoas por aí que perturbam a
paz e cachorros não). Foram dias terríveis, ponderei sobre o meu
egoísmo em querer o Goku perto de mim e dentro de um apartamento
pequeno, ponderei sobre a separação do meu peludo, sobre ele ter
mais espaço e ter companhia canina full time. Decidi por dar uma
vida mais digna ao meu Goku, longe do meu convívio diário, mas com
um espaço mais apropriado para que ele fosse um cachorro mais feliz
e com a garantia de uma amiga zelosa e apaixonada por cães. Dormi
chorando e no dia seguinte minha mãe me acordou muito delicadamente
com os dizeres “Seu pai falou que não é para você doar o Goku,
porque na casa dos outros ele não vai poder subir no sofá!”.
Desculpa pra lá de esfarrapada, era tudo o que eu precisava ouvir e
teve fim o terceiro dia mais triste da minha vidinha de 32
primaveras.
O
Goku? Ah... Está aqui arrombando as portas, roubando tapetes,
mordendo chinelos, me recebendo todos os dias como se eu fosse uma
pop star internacional, a cada amanhecer fica mais lindo, mais
carinhoso, mais manhoso, mais mimado e me salvando dos demais dias
mais tristes da minha vida.
Cachorros
são ótimos terapeutas.
Cléo F. Alves
S. P.
05/11/2013