A cada
vez que penso em você uma gota de veneno se dilui no meu sangue. O
paladar azeda e um pânico desagradável tenta fazer morada no meu
estômago. E foi assim durante meses, dia após dia, gota após gota
que fui me envenenando. Eu fico aqui me embebedando em veneno,
morrendo aos poucos e cruelmente. E a vida segue, é lei!! Dura lex, sed lex! E tem que ser assim mesmo. Legalista que sou, eu jamais
poderia me esquecer desta verdade.
Ser
sem noção às vezes me parece ser muito bom, não se sente culpa e
o dolo deve ser balsâmico e libertador. Não sei por que ainda teimo
em me colocar no lugar do outro. Eu e minhas três perguntas chatas
“Quero? Posso? Devo?”.
Tanto
pensamento triste foi como convidar vampiros para me fazerem companhia.
Acordei e ponderei muito se deveria sair. Cheguei a desistir de
colocar o pé fora de casa, olhei para o meu cachorro e ele me disse
com o olhar que era melhor ficar com ele, mas me forcei a ser forte e
honrar o compromisso com quem me confiou uma missão no trabalho.
A 200m
de casa levei a primeira fechada de um fdp que deve ter tirado a
habilitação em curso de CFC em braille e à distância, mais a
frente novamente outra fechada de um outro cretino. Eis o anúncio de
um dia cinza-chumbo. Chegando ao trabalho descubro que esqueci meus
talheres para almoçar, momentos depois noto que estou indigente, saí
sem um mísero documento, sem habilitação, sem documento do carro,
sem a carteira do convênio médico que eu precisaria apresentar para
realizar um exame médico que me tira o sono desde minha última
visita à Dra. Eliana. Vou ao carro e pego a cópia da minha guia,
para depois anexá-la ao comprovante de comparecimento (algumas leis
na esfera pública mais complicam, do que descomplicam). Como já
estava dopada de tanto veneno não notei que deixei a via original da
guia na minha mesa. Saio do trabalho mais cedo para voltar à minha
casa, me esforçando para lembrar de sacar dinheiro para pagar o
estacionamento e lembrar de abastecer o carro.
Chego
em casa, pego meus documentos e saio correndo. No
autoatendimento uma mulher passou uma vida pagando conta. Isso me
irrita! Chame-me de chata, mas conta se paga pela internet!! Depois de
uma vida eu saco o dinheiro (Não sei por que diabos estacionamentos
não aceitam cartões de débito/crédito. Eu não uso dinheiro!!).
No meio da radial leste lembro que não abasteci o carro. Cara#*!!! O
marcador de combustível vai caindo até a luz acender, na pista
bairro-centro não tem postos de gasolina, só a pista do metrô/trem
e nada de um retorno com posto perto. Finalmente um retorno para
pegar o primeiro posto, desvio do caminho e sou obrigada a ligar o
GPS do celular. Várias ligações do trabalho se abrem na tela
atrapalhando que eu veja a rota. Eu não atendo porque não quero me
atrasar mais e porque me atrapalho falando ao telefone e dirigindo eu
mesmo tempo. Logo que chego ao estacionamento ligo para o trabalho e
a colega me diz muito delicada e educadamente que esqueci a guia
original na minha mesa e que se eu faria aquele exame eu não
conseguiria. Ela bem que tentou me avisar, mas como não atendi...
Considero-me
uma pessoa ponderada, centrada e forte, mas com tanto veneno o copo
transbordou. Caí no choro bem ali na porta do estacionamento e pedi
meu carro de volta ao manobrista, que me olhou com cara de dó. Como
eu poderia me apresentar ao trabalho chorosa, nervosa e
descontrolada? Bússula quebrada não norteia ninguém!!
Acabou
o dia!! De tanto chorar a enxaqueca e a sinusite me fizeram
companhia.
Não
sei por que eu não escutei o meu cachorro quando saí de casa.
Cléo F. Alves
S. P.
22/04/2014